Nunca tinha parado para pensar em que momento da minha vida comecei a contar histórias. Até agora. Até lembrar das tardes ensolaradas de verão, das férias escolares, do Jota e do quintal de terra que ficava na parte de trás da casa em que morei durante parte da infância.
Uma casa simples, de madeira, uma casa comum, mas para mim, o cenário das melhores lembranças.
Na varanda pequena, várias caixas cheias de brinquedos, bonecas de todos os tamanhos e formas, dezenas de bonequinhos que vinham naquele ovo de chocolate — que na época era tão barato — e vale ressaltar os meus preferidos.
O tanque era a piscina de todos os brinquedos e ainda tinha uma vista privilegiada para o quintal de terra. Ah, o quintal de terra, verdadeiro protagonista das lembranças.
O chão de terra era uma verdadeira mina para mentes tão dispostas a deixar a imaginação fluir. Jota era um ótimo desenhista, munido de pedra ou graveto, os rabiscos na terra ganhavam forma. Para mim, a casa das bonecas, e após cada cômodo definido, perdia algum tempo mobiliando com o que encontrava nas caixas.
Quem estava de fora podia até achar estranho, tantos brinquedos jogados no chão, sujando tudo de terra. Não era assim para nós dois, aqueles rabiscos eram uma casa e para nós ela era completa, tinha até mesmo paredes e podíamos encenar milhares de histórias, éramos os roteiristas e os bonecos nossos atores.
Aquele quintal de terra era, para mim e para Jota, um lugar mágico, acreditávamos poder fazer qualquer coisa ali, até mesmo viajar para outros mundos. A lembrança das viagens começa com duas laranjeiras e no meio um balanço, e é claro que não víamos assim, aquele era o nosso portal.
Passávamos tardes inteiras viajando, nosso mundo preferido era o que tinha monstros digitais, lá éramos os heróis, os escolhidos e vencíamos as batalhas apenas para recomeçar a aventura. O mundo onde tinha muitos torneios de artes marciais era nosso segundo preferido, Jota sempre era o campeão nas lutas.
Cansados das viagens, voltávamos ao quintal de terra e o balanço voltava a ser apenas um balanço. Nos balançávamos e então pulávamos competindo para ver quem ia mais longe, e, se Jota era o campeão nos torneios de luta, eu era a campeã dos pulos. Então minha mãe nos chamava, era a hora do lanche, depois banho e talvez, com alguma sorte, mais algumas horas brincando na varanda ou na sala.
Pensar nas lembranças que tenho do quintal de terra, me faz lembrar de dois outros momentos. O muro dos fundos, tão branquinho, pelo menos até eu ganhar a primeira caixa de giz colorido e decidir que seria professora, foi ali que dei minha primeira aula, Jota e os meus brinquedos eram ótimos alunos. É engraçado pensar assim, Jota é um ano mais velho que eu, mas nunca se importou em ser o aluno ou o filhinho quando brincávamos de casinha, era como se ele sempre estivesse disposto a fazer algo para estarmos juntos. A brincadeira de casinha faz entrar no cenário a barraca.
Ah, a barraca, uma ótima aquisição ao quintal de terra. Obrigada, mamãe! Ali, nosso primeiro acampamento, as viagens pelo balanço aos poucos foram parando, nossas horas eram todas na barraca. O teatro com nossos brinquedos não era mais no chão de terra, mas dentro da barraca, sempre tínhamos uma nova história para improvisar.
Faz mais de dez anos desde a última vez que vi o quintal de terra, nem ao menos sei se ainda existe. Tudo que vivi lá, só permanece hoje em minhas memórias. Jota, acho que a última vez que o vi foi há uns oito anos. Ele estava terminando a faculdade e eu ainda não tinha achado meu caminho definitivo para a escrita. Nos perdemos das nossas crianças e seguimos por caminhos diferentes, mas ainda guardo com carinho todas as nossas aventuras no quintal de terra.
Hoje percebo que meu quintal de terra mudou, ele agora está refletido nos cadernos de anotações e nas páginas em branco do computador. Minha imaginação ainda desperta, criou novas asas e voou para outros mundos, dessa vez desconhecidos. As aventuras agora são próprias e com os mais variados cenários.